“Não consigo crer em Cristo”,  é a reclamação que ouvimos frequentemente dos interessados. O que isto significa? Os que afirmam isto falam a sério? Eles estão realmente considerando o que nos dizem?

O navio estava muito distante adentro da água, e não havia sequer uma escada de cordas ou ferro ao seu lado, para que o pobre rapaz descesse e alcançasse o bote que estava abaixo dele.

O rapaz observou e viu sua posição. Ali estava o bote, e aqui o navio que afundava. Ele ouviu gritos o chamando de lá de baixo; ele viu uns cinco ou seis homens robustos esperando para o pegar; mas ele não conseguia se convencer a parar de se segurar.

Ele viu as ondas do mar, e como elas empurravam o barco para cima e para baixo; ele observou também a distância dentre ele e seus salva-vidas ali embaixo; e seu coração o falhou. E se ele errasse o bote e caísse no mar, ao invés de cair nos braços abertos ali embaixo? Ele segurou a corda com toda a sua força, e fez como quem fosse voltar ao navio. Mas os gritos voltaram a ecoar, “Solte a corda!”, ele não teve coragem de voltar ao navio, mas tinha medo de se soltar. Então ele se agarrou à corda como se ela fosse sua única segurança. E de novo os gritos foram ouvidos, “Se solte!”, e sua resposta era, “Não consigo me soltar.”

Por fim, enquanto o perigo aumentava, as barulhentas mas doces vozes abaixo venceram seu medo e desconfiança. E ele então “Se soltou”; E sem nenhum esforço caiu nos fortes braços que estavam esperando para o receber. Ele estava são e salvo; E percebeu sua segurança, ele não conseguia parar de rir de sua própria tolice em não se soltar, e em dizer que não se soltava porque não conseguia. “Não consigo crer em Cristo”, é a reclamação que ouvimos frequentemente dos interessados. O que isto significa? Os que afirmam isto falam a sério? Eles estão realmente considerando o que nos dizem? Não são eles exatamente como o pobre rapaz se segurando ao lado do navio à vapor e gritando “Eu não consigo me soltar”? Se ele tivesse confiança no bote e nos homens abaixo, teria ele permanecido naquela posição estranha e proferindo aquele clamor estranho? Não tinha ele mais confiança na corda do que no bote que estava pronto para o receber? Ele viu que ali havia perigo, ou ele não teria agarrado à corda; Mas ele tinha a sensação de que havia menos perigo em se segurar naquela corda do que se jogar no bote. Então ele continuou se segurando com toda a a sua força naquilo que não podia, e nunca poderia o salvar. Se sua segurança dependesse em segurar naquilo, então o clamor, “Eu não consigo me segurar mais, minhas forças se acabaram”, seria o mais natural e inteligível; Mas quando sua segurança dependeu em deixar de se segurar em algo que não podia o salvar, e simplesmente cair naquilo que poderia o salvar, o seu clamor era tolo e mentiroso.

Assim também é a reclamação dos ansiosos a quem nos referimos. Eles não veem a porta aberta da Arca, os braços abertos do Salvador. É este Salvador que clama à eles “Se solte; Eu estou esperando com braços abertos para te receber!” Mas eles parecem pensar que Ele está pedindo para que eles façam alguma coisa grandiosa, mostrem algum empenho prodigioso de suas próprias forças; Então eles respondem para todas as Suas mensagens de Graça, “Não consigo, não consigo!”, Ele os vê se agarrando a si mesmos com toda a sua força; E Ele diz, “Se soltem, se soltem”; Mas eles respondem, “Não conseguimos!” Não é isto tolice? Não é isto a rejeição de Sua Obra consumada?

Suponha que quando Jesus havia dito à Zaqueu para descer de seu sicômoro, o publicano respondesse, “Não consigo!” o que ele poderia estar querendo dizer? Se o Senhor o mandasse subir naquela árvore ele poderia até dizer, “Não consigo!”, mas quando Cristo disse, “Desça aqui!”, a tal desculpa teria sido absurda.

Suponha que quando o pai, ao receber o filho pródigo o houvesse dito, “Vá dentro da casa, pegue a melhor roupa, vista ela e volte para mim”, poderia até haver algo no filho dizendo, “Não consigo!” Mas quando o pai disse aos seus servos, “Tragam a melhor roupa e vistam ele”, tal desculpa seria absurda, e somente mostraria a falta de vontade do filho em receber as vestes então. Pois o pai não deixa nada para o filho fazer; Tudo o que ele deseja é que ele receba as vestes; é como se ele houvesse dito, “Me permita te vestir; Me permita colocar a melhor roupa em você.” Ele providencia tudo; desde vestir o filho até a roupa que ele deve vestir.

Isto que muitos chamam de dificuldade para crer é a essência da justiça-própria. Sim; Isto é o que se encontra na raiz, ou antes, é a raiz desta dificuldade. Os homens se agarram a si mesmos assim como o rapaz se agarrava àquela corda; Eles não vão se soltar; e enquanto isto dizem que não conseguem.

Eu admito a dificuldade, é uma raiz de amargura. Mas isto é algo bem mais profundo do que muitos pensam. É algo bem pior e mais sério do que aqueles que dizem isto vão admitir ser. É a justiça-própria do homem que realmente constitui esta dificuldade. Ele não deseja se soltar dela; e diz “Não consigo!”, para cobrir a culpa do “Não quero!”.

Bem lá no fundo do ser depravado do homem vive este terrível mal, o qual somente Deus pode remover, esta determinação em não se soltar de si mesmo. Ele se engana tristemente neste assunto, a fim de encobrir o peso de sua ofensa e passar adiante a culpa de sua completa falta de fé em Deus.

Ele pensa que existe algo grandioso que ele deve fazer, mesmo Deus tendo lhe declarado uma centena de vezes que este Algo Grandioso já foi feito!

Ele que fazer este tal algo grandioso, e quer ter o crédito de tê-lo feito; e porque Deus declarou que este algo grandioso já foi feito “De uma vez por todas para jamais ser feito novamente”, ele se isola consigo mesmo, e tenta trazer um outro algo grandioso vindo de si mesmo, pensando que em fazer tal algo, ele ira agradar à Deus e satisfazer a sua própria consciência.

A aceitação do algo grandioso que já feito na cruz é o que Deus o pressiona a fazer como algo que é totalmente e absolutamente suficiente para a sua salvação e paz.

Mas ele se esquiva disto. Ele pensa que deve esperar, e trabalhar, e se esforçar, e se lamentar antes de estar num estado bom o suficiente para ser aceito; E portanto é isto o que ele responde para todas as mensagens dos “embaixadores da paz”: “Não consigo me soltar”. Ele não fará o que Deus deseja que ele faça; Antes ele substitui isto com algo vindo de si mesmo, como um processo de preparação para ser aceito; Porque ele não encontra progresso nenhum na obra de ter uma “humilhação voluntária”, ele então por fim diz: “Não consigo me soltar”.

Deus o traz face à face com a cruz, dizendo, “Veja e viva!”, Mas ele acha isto muito simples, então ele vira as costas e procura algo para fazer em aceitação! Deus põe a fonte de águas vivas na frente dele e diz, “Seja lavado.” Mas ele diz, “Eu não posso”, e vira as costas para alguma outra coisa. Deus lhe trás a melhor roupa, a justiça do próprio Justo, e oferece o vestir com ela. Mas isto é muito simples. Isto não deixa nada para ele fazer — nada além de ser vestido pelas mãos de outro, em outras roupas. Então, em humildade fingida, ele adia a aceitação da melhor roupa, debaixo do clamor de que não consegue colocá-la! Deus o trás face à face com o Seu amor gratuito, e diz, “Pegue, e descanse.” Mas como isto ainda significa crer que o tal algo grandioso já foi feito, através do qual o amor gratuito de Deus flui ao pecador, e que Deus quer que ele simplesmente reconheça esta obra maravilhosa e que ela é completa, para que ele seja aceito, ele hesita, ou se volta totalmente contra a proposta Divina, recusando deixar o amor de Deus fluir, só porque é algo absolutamente de graça! Tal homem lembra o general sírio à quem Elias mandou se lavar no Rio Jordão, para que sua lepra fosse sarada. “ Porém Naamã muito se indignou, e se foi, dizendo: Eis que eu dizia comigo: Certamente ele sairá, pôr-se-á em pé, e invocará o nome do Senhor seu Deus, e passará a sua mão sobre o lugar, e restaurará o leproso. Não são porventura Abana e Farfar, rios de Damasco, melhores do que todas as águas de Israel? Não me poderia eu lavar neles, e ficar purificado? E voltou-se, e se foi com indignação.” —2 Reis 5:11-12

É oportuno também nos dirigirmos à este rapaz com as palavras dos servos de Naamã nesta ocasião, que são: “Então chegaram-se a ele os seus servos, e lhe falaram, e disseram: Meu pai, se o profeta te dissera alguma grande cousa, porventura não a farias? Quanto mais, dizendo-te ele: Lava-te, e ficarás purificado.” —2 Reis 5:13

A simplicidade do Evangelho, contudo, não diminui a depravação do homem, nem supera a necessidade do poder do Espírito Santo. É em referência a este Evangelho gratuito que  o “coração mau e cheio de descrença” do homem sempre se exibiu com mais força. O Evangelho é simples, o Caminho é simples, a Cruz é simples; Mas o coração do homem é totalmente inclinado contra eles. Ele os resiste e recusa. Ele prefere um caminho vindo de si próprio, e ele joga a culpa de seu mal em Deus.

Daí vem a necessidade do Espírito Santo, por cuja as mãos o Todo Poderoso trabalha na alma humana de maneiras tão invisíveis e simples, que quando o homem finalmente acredita, ele se pergunta como pode ter ficado longe e resistido à tal Evangelho. Para desarmar a inimizade, para remover a dureza, para abrir aos olhos, e para renovar a vontade, o Espírito opera, “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz;…” mas não sabemos “…donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” —João 3:8

É a total depravação e alienação do homem em relação a Deus que faz o poder do Espírito Todo Poderoso indispensável para sua renovação. Mas é de grande importância que ele não seja permitido de usar esta depravação como uma desculpa por não retornar à Deus, ou por abusar da doutrina do trabalhar do Espírito, fazendo dela uma razão para se apegar a si mesmo e recusar se a crer no Evangelho; Como se ele tivesse mais desejo em ser salvo pelo Espírito, que o Espírito em de o salvar, ou como se ele quisesse crer, mas o Espírito não o ajudasse nisto.

Foi a culpa do homem que fez com que a cruz fosse necessária; Pois se esta culpa permanecesse nele, todo o resto seria em vão. Estar sob condenação seria estar separado do Reino para sempre. Ter o Juiz de todas as coisas contra ele no grande dia seria uma condenação certa. A cruz veio para tirar esta culpa de nós, e colocá-la sobre outro; Sobre Ele que é capaz de tudo carregar; Sobre Ele que é poderoso para salvar. Aquilo que o pecador deveria sofrer, Ele sofreu, para que o pecador possa ir embora livre. O Juiz está satisfeito com a obra feita no Calvário, e não pede por mais nada; e quando o pecador é trazido pelo Espírito Santo para estar satisfeito com o que satisfez o próprio Juiz, as correntes que prendiam o fardo aos seus ombros se quebram, e o seu fardo cai, para desaparecer para sempre enterrado na cova do Substituto, de onde o tal fardo jamais poderá se reerguer novamente.

Não Consigo Me Soltar (versão traduzida e editada) – por Horatius Bonar, versão em inglês retirada de Chapel Library